Salvos pela sua cruz

          Afirmamos pela nossa fé que fomos salvos pela sua cruz. Acostumamo-nos a cantar, sobretudo no tempo quaresmal, uma afirmação basilar de nossa vida cristã: “ó cruz, tu nos salvarás”. Por meio de sua cruz fomos salvos de nossos pecados. É ela que nos traz a paz e a felicidade sem fim. No quarto Cântico do Servo Sofredor, de Isaías, já estava prefigurado esta verdade: “Mas ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço de nossa paz, e suas feridas, o preço da nossa cura” (Is 53,5). A “nossa paz” e a “nossa cura”, são preços grandes para serem contados entre os que mais precisamos. Em outras palavras, Isaías nos pede que olhemos para o Crucificado e o significado de sua cruz. Neste tempo quaresmal somos chamados a olhar para “o Crucificado” e “sua cruz”, olhar para Ele, sem cansar. Sim, voltar a olhar novamente e sem se cansar. Entendamos que assim, nossos olhos e nosso coração estarão cheios da misericórdia de Deus, manifestada no Filho, na Sua Cruz.  

          Entretanto, não foi o sofrimento, nem o sangue derramado e nem a cruz a fonte de nossa redenção dos pecados. Como assim? A resposta clara está no evangelho de João: "Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo ao Pai, como amasse os seus que estavam no mundo, até o extremo os amou" (Jo 13,1). O único poder capaz de perdoar os nossos pecados e nos resgatar da condição humilhante que vivemos, é o imenso e total amor de Deus manifestado em Nosso Senhor Jesus Cristo.

          Só o amor sabe perdoar misericordiosamente. Deus Pai não quer o sofrimento. Nem o do seu Filho e nem o nosso. Ele nos acompanha sempre com sua misericórdia amorosa, Ele nos acompanha sempre. Está ao nosso lado, amando-nos sempre. Podemos quase dizer que Deus “sofre” conosco. Como pudemos ver no filme “A última tentação de Cristo” o Pai sofre com o Filho e envia uma “lágrima”, do seu choro. Então, sim, o sofrimento de Cristo é redentor, pois é fruto de um amor total. Todos estamos incluídos nele. Sendo humano, nenhuma criatura está excluída, desde que o acolhamos com gratidão e alegria.

          A partir do olhar do amor, o sangue de Jesus é redentor, pois é fruto de uma fidelidade inigualável, sem trair ou voltar para trás. A cruz de Jesus é redentora, pois nela está escrito, com sangue e suor, o significado do que é amar. Sim, o amor é redentor. Olhemos para o crucificado com este sentimento. Sejamos provocados no significado profundo de um amor redentor, pura graça, que nos alcança em nossa humanidade fragilizada, indiferente e individualista. Por isso, nos fixemos naquilo que realmente importa: o amor salvador de Deus apresentado na cruz salvadora. Acolhamos com alegria e determinação este inefável dom de Deus por nós.

          Quando Paulo escreve à comunidade de Corinto, lembra-lhes o evangelho da cruz para apresentar o mistério de Deus. “Entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Cor 2,2). Paulo já tinha certeza que o amor redentor de Jesus vai além do sofrimento. Ele nos ensina a humildade de Cristo que, mesmo no sofrimento e na morte, continua a amar. “Ele me amou, e se entregou por mim” (Gl 2,2). “Nós pregamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23), afirma o apóstolo. “E Cristo, que nos salvou dos nossos pecados na Cruz, com o mesmo poder da sua entrega total, continua a salvar-nos e resgatar-nos hoje. Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar, porque, «quantos se deixam salvar por Ele, são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento» (EG n.1). E, se pecares e te afastares, Ele volta a levantar-te com o poder da sua Cruz” (CV n. 119).

          Diante do crucificado é legítimo o choro e o clamor de todos os que estão nas periferias existenciais e geográficas. Diante do seu olhar somos uma grande família, seus filhos. Quando realizarmos, com piedade, nossa oração diante do crucificado, lembremos que Cristo Vive, ressuscitou, está sempre conosco. E mais, Ele nos quer vivos e testemunhas de sua vitória. “Vitória, tu reinarás, ó cruz, tu nos salvarás”.

Dom Adelar Baruffi

Arcebispo de Cascavel