Entrevista ping-pong com dom José Mário Scalon Angonese

Conheça mais sobre nosso arcebispo por meio da entrevista realizada pela Revista Arquidiocesana Nossa Senhora Aparecida
03/07/2024 10:07
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Entrevista ping-pong com dom José Mário Scalon Angonese

Compromisso com a comunidade arquidiocesana

Logo após a sua chegada à cidade, Dom José Mário atendeu uma coletiva de imprensa e reservou um espaço para conceder a entrevista abaixo à nossa revista:

  

1.    Como o senhor define a missão de bispo?

Dom José Mário: O Papa se define como servo de Deus e o bispo é o servo dos servos. Ele só tem condições de exercitar um trabalho de lideranças, se se colocar numa atitude de serviço, porque se a gente se colocar numa atitude de supremacia, a força de Deus desaparece, mas quando deixo as coisas fluírem conforme a luz do Espirito Santo, a força de Deus aparece.  Quando Paulo chegou a Corinto e se deparou com aquela situação disse: ‘Deus, não sei o que fazer aqui, é tudo por Tua conta’. Agiu como servo, se colocando numa atitude de serviço, e a partir disso organizou belíssimas comunidades. Então me coloco numa atitude de servo, segundo o meu lema, para que fique espaço para Deus agir na minha história e na história das pessoas a quem devo liderar. 


2.    Qual foi o impacto na sua vida particular, ao passar de padre para Bispo?

Dom José Mário: Num primeiro momento foi um tanto atrapalhado, porque a gente faz uma mudança nesta perspectiva, muda tudo, até o nome. Eu brinco que quando eu fui nomeado Bispo só teve duas coisas não mudou o número da identidade e do CPF. As pessoas próximas, a envolvência, o estilo de trabalho, enfim, muita informação nova. Mas depois a gente assimila essa nova perspectiva e começa a se sentir em casa, e o mais bonito, a gente chega num lugar assim que Deus já mora lá. Chegando em Cascavel, é uma alegria perceber que Deus já mora aqui, que Deus está no coração dessas pessoas, e que já há um trabalho histórico ao qual só vou continuidade. Então mesmo na mudança de padre para bispo, há uma continuidade histórica da caminhada da Igreja, a gente só muda a função, o jeito de servir, mas o coração vai na mesma direção.


3.    De bispo para arcebispo é mais um degrau, pelo menos no grau de responsabilidades. Como o Sr. recebeu essa nomeação para arcebispo e a informação de que seria transferido?

Dom José Mário: Quando a nunciatura me comunicou sobre o chamado do Papa Francisco para vir à Cascavel, o meu primeiro argumento foi dizer: Mas eu gosto de Uruguaiana e não queria sair daqui. Ele afirmou: mas o Papa precisa de você em outro lugar! Aí lembrei-me do meu lema presbiteral “A quem eu te enviar tu irás e o que mando proclamarás”, e de bispado, “Eis-me aqui, envia-me”. Assim, por uma questão de coerência, não posso dizer não àquilo que me proponho no serviço à Igreja. E vir para Cascavel, numa perspectiva de arcebispado, portanto, de servo, não precisa eu mandar e nem tomar as decisões todas, mas trabalhar numa correlação, onde se houve, pontua, segue sugestões, pois podem haver ideias melhores que as minhas, e me parece ser muito importante o diálogo, quando a gente tem a missão de coordenar entre iguais, no caso dos bispos da arquidiocese, assim como, ao coordenar os padres, que têm uma formação um pouco diferenciada, a gente tem que adaptar a linguagem, a escuta e a linha de diálogo também.


4.    Que tipo de informações tinhas a respeito da nossa região e da população daqui?

Dom José Mário: Eu fui bispo auxiliar de Dom Peruzzo em Curitiba, com quem fiquei mais de um ano e meio, e ele é daqui, então a ideia que eu tinha de Cascavel é a partir do olhar dele, que tem paixão por essa terra e essa diocese. Sei que o Paraná é um estado muito promissor, de gente trabalhadora, dedicada. Aprendi que se mede a força de um povo pela força da terra.  Terra forte, povo forte economicamente. Terra fraca, povo fraco. E nessa perspectiva, a visão que do Paraná, aqui do Oeste principalmente, é de terra boa, povo forte e trabalhador, então venho com muita esperança, porque também não gosto de me esconder do serviço (rs).  


5.    Essa será a terceira diocese sob seu comando. As realidades e a forma de conduzir são muito diferentes?

Dom José Mário: De Curitiba para Uruguaiana mudou bastante, porque as culturas são muito diferentes, e penso que o bispo deve entrar na cultura do povo e ajudar evangelizar de acordo com essa forma de viver, porque o evangelho deve se inculturas, entrar dentro da cultura, pois isso é fraternidade, é virtude humana, e é isso que o evangelho nos traz. Não se deve impor uma aculturação de cima para baixo, a exemplo da cultura globalizada que vivemos hoje no planeta, vem imposta de cima para baixo, isso não é um método do Evangelho.  


6.    Sendo assim, a partir do conhecimento da nossa cultura regional, qual a sua expectativa em relação ao trabalho nesta Arquidiocese? Por onde pretende começar?

Dom José Mário: Penso que a Arquidiocese de Cascavel está próxima ao trabalho da Arquidiocese Diocese de Curitiba na questão da realidade e Vicência. Mas aqui tem um plano de pastoral e de ação evangelizadora que já foi feito antes. Eu tenho que chegar e ir cumprindo, me adaptando e, quando falo em entrar na cultura, é observar, conhecer e a partir das diretrizes da CNBB, que é um elo agregador e unificador da caminhada da evangelização no Brasil, vamos dando os passos. Também conversando com os padres. Temos muitos padres especialistas em diversas áreas e, conversando e ouvindo, pois, a Igreja não é do bispo, é de Jesus Cristo, onde o bispo é apenas um coordenador.


7.    A arquidiocese tem 42 paróquias e mais de 70 padres. Como pretende se relacionar com este público?

Dom José Mário: Gosto de chamar os padres de ‘irmãos padres’. Eles são como irmãos na vivência do Evangelho. O que muda é a função, mas tanto eles quanto eu estamos a serviço do Evangelho. Então é uma relação de colaboração mútua e isso é fundamental para o êxito da evangelização. 


8.    Alguma área que considera mais importante no trabalho pastoral da Diocese?

Dom José Mário: Olha, todas tem o seu público alvo e a sua importância. Penso que nós bispos e padres devemos ter uma atenção especial para aquelas pessoas que estão ensinando em nome da Igreja, que os Ministros da Eucaristia e os Catequistas, porque demos voz para ensinarem em nome da Igreja, então temos que oferecer conteúdo para que trabalhem dentro da eclesialidade. É inadmissível, por exemplo, um Ministro da Eucaristia ou Catequista que fale mal do Papa ou do seu Bispo. Não pode. Sei que há discordâncias, e a gente não precisa concordar com tudo,  mas eu gosto da ideia de que a gente nem sempre concordou com tudo o que os nossos pais fizeram, mas nem por isso deixaram de ser nossos pais, assim como os meus pais nem sempre concordaram com tudo o que eu fiz, e nem por isso eu deixei esse filho deles, então eu não preciso concordar cem por cento com meu bispo, mas ele é o meu bispo, ele é o elo da unidade, e eu não preciso concordar cem por cento com o Papa, mas ele é o elo da unidade, ele é o Papa. Então aquilo que nos une deve ter força maior do que as nossas diferenças, senão a gente desagrega e quebra a Igreja e as comunidades. 


9.    Pelo que vi, o Sr. deu grande atenção à Iniciação à Vida Crista (IVC) na diocese de Uruguaiana. Isso tem a ver com a sua especialização em Psicologia da Educação?

Dom José Mário: A Iniciação à Vida Cristã trabalha o agora e o futuro da Igreja. Se a catequese falhar no seu método, sobretudo com as crianças e com os jovens, a gente só vai perceber a médio e longo prazo, e muitas das nossas fragilidades eclesiais, poderíamos atribuir à forma como catequisávamos, como o fato de que depois do crisma muitos jovens desapareciam da Igreja. Penso que dar doutrina para quem não encontrou e não conhece Jesus Cristo, não faz não faz sentido nenhum. Tem que viabilizar para esta criança e para esse jovem a experiência do Mistério, do encontro com o Senhor, depois disso vem a doutrina. E nós doutrinávamos pressupondo que a família tivesse feito a iniciação, mas com o passar do tempo e a mudança cultural, a família não conseguiu mais exercer o seu papel com a mesma eficiência de outrora.  


10.    O senhor foi reitor de seminário. Nós também temos aqui o seminário diocesano e, em agosto teremos a semana das vocações, com matéria nessa edição inclusive. Como o Sr. vê o despertar vocacional? 

Dom José Mário: Vejo como um desafio constante. Quando Nosso Senhor olhou para o nosso tempo, para o problema vocacional, Ele deu remédio: Pedi ao senhor da messe que mande operários; a messe é grande e os operários são poucos. Então, a oração pelas vocações é fundamental e precisamos estimular as comunidades e as famílias a rezarem pelas vocações, penso que esse é o primeiro ponto do trabalho vocacional, dar força e apoio para as pessoas que estão trabalhando na dimensão vocacional, quer o animador vocacional, quer os padres que trabalham nos seminários. É um trabalho que não pode parar e uma responsabilidade que não pode ser atribuída a uma ou duas pessoas, mas a toda a Igreja, envolvendo todos os padres e as comunidades.  E quando se fala em vocação, não se trata apenas da sacerdotal  ou da vida consagrada religiosa, mas também da vocação ao matrimônio, ao laicato, aos serviços eclesiais na comunidade, nos conselhos comunitários, no conselho de igreja, enfim, são vocações, chamados para servir à Igreja e devem ser exercidos como serviço a Deus, e é nessa direção que vamos realizar o trabalho vocacional.


11.    O Papa Francisco é uma inspiração ou tens o seu próprio estilo de vida pastoral?

Dom José Mário: Penso que o Papa Francisco faz teologia latino-americana, um pouco diferenciada da teologia europeia, por que por que são realidades diferentes. Então o Papa Francisco olha a teologia a partir da pessoa, e aí o pessoal do direito canônico não gosta muito, porque Papa Francisco para a pessoa, para o problema da pessoa, e busca inspiração nas leis da Igreja. Os canonistas dizem que isto dá insegurança jurídica e as leis universais que valem para todo o mundo, mas isso vem em cima para baixo, então muda a direção. Se quero trabalhar numa perspectiva mais humana, tenho que olhar para a pessoa, como a questão dos casais em segunda união, por exemplo, a Igreja não pode condenar alguém para sempre, se Deus não condena alguém para sempre. Então, essa forma de fazer teologia que muda, e nisso eu vejo sim o Papa Francisco como inspiração. 


Fonte: Revista Nossa Senhora Aparecida
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