Uma vida de desprendimento pela vocação e missão

O padre é um sacerdote consagrado, cuja missão maior é evangelizar, mas isso não o faz diferente enquanto ser humano e muitas de suas atividades são semelhantes às nossas.
17/08/2023 11:08
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Uma vida de desprendimento pela vocação e missão

No antigo testamento o sacerdote é representado como um mediador entre Deus e os seres humanos, aquele que oferece os sacrifícios e intercede pelo povo. Já, no novo testamento, Jesus é o grande ‘sumo sacerdote’ que, em vez de oferecer os rituais de sacrifício animal prescritos pela lei judaicaoferece a si mesmo na cruz como o sacrifício verdadeiro e perfeito. 

Assim, o Sacerdócio Ordenado é uma participação no sacerdócio de Cristo e traça as suas origens históricas nos Doze Apóstolos nomeados por Cristo. Os apóstolos, por sua vez, selecionaram outros homens para sucedê-los. E assim tem sido até os dias atuais. 

Em 1929, o Papa Pio XI proclamou São João Maria Vianney o padroeiro dos padres e das demais pessoas que servem aos ensinamentos de Deus. Desde então, o dia 4 de agosto é celebrado oficialmente como o ‘Dia do Sacerdote’. 

São Maria Vianney João foi canonizado em 1925. Ele nasceu na França, em 1786 e foi considerado um dos mais notáveis conselheiros do mundo católico em sua época. 

No Brasil os padres estiveram presentes desde a vinda dos primeiros colonizadores e em sua maioria, nos locais onde se estabeleciam, eram as principais lideranças do local. Um conceito que ainda continua. Praticamente em todas as comunidades, onde há uma paróquia ou capela, o padre é uma liderança respeitada e muito ouvida. 

Talvez por isso mesmo, acaba sendo visto pelas pessoas como alguém que é blindado por Deus, um ser diferente das demais pessoas, e mantido, de certa forma, distante. 

Mas aqui queremos desmistificar esses pensamentos e mostrar que o padre é uma pessoa normal, comum, como todos nós. Ele tem família, tem direito a férias, tem as responsabilidades do dia a dia. Ele também fica doente, às vezes sente solidão e tem suas alegrias e tristezas. A diferença está na sua vocação. Ele ouviu o chamado de Deus e aceitou a missão de evangelizar.

 

A rotina de um sacerdote

Vamos mostrar aqui como é o dia a dia de dois padres da nossa arquidiocese, para facilitar a sua compreensão em relação às atividades da paróquia e principalmente, não ter receio de se aproximar do seu padre, dar-lhe um abraço, convidá-lo para ir à sua casa tomar um café ou almoçar, e vê-lo com mais carinho. 

Padre Paul Mike

Pe. Paul Mike, que hoje é pároco de Iguatu, nasceu na Nigéria e deixou lá a sua família para exercer a sua missão aqui em nossa região. Ele pertencia à congregação Oblatos de São José e estava tranquilo em uma paróquia de seu país. “Éramos em cinco 5 padres na mesma paróquia, porque na Nigéria temos muitas vocações, até que um dia em uma reunião provincial o superior pediu quem se disporia a vir ao Brasil... e eu, nem sei porque, levantei a mão”, conta ele, que ficou mais de um ano preparando a documentação, até que, em meados de 2011 chegou no Brasil.  

Inicialmente Pe. Paul ficou em Curitiba aprendendo a nossa língua. Sofreu muito no começo até se adequar, mas hoje já está bem fluente. De Curitiba ele veio para a paróquia de Três Barras do Paraná. Depois passou pela São José Operário. “Gostei do povo daqui e decidi pedir para Dom Mauro Aparecido dos Santos (In memoriam) para ficar na diocese. Ele me acolheu e passei a ser padre diocesano, então fui para a Paróquia Santa Luzia, depois para a Nossa Senhora Consolata e há dois anos estou em Iguatu”, conta ele.

 A sua rotina começa muito cedo, pois umas das coisas que implantou foi a missa às 6h30 da manhã. “Aprendi com minha mãe, que ia todas as manhãs para a missa e eu ia com ela, e agora como pároco consegui implantar, para a minha espiritualidade mesmo. Começo com as ‘Laudes’, depois e celebro a missa e sigo ali por mais 30 minutos refletindo”.  A missa matinal é celebrada de segunda a sexta-feira. E é depois desse ritual que ele vai tomar o seu café da manhã e segue para o trabalho, que pode ser atendendo na paróquia, visitando os doentes ou cuidando da administração paroquial. 

À noite tem os momentos de oração, adoração e missa também. Ele incluiu algumas pastorais e novas atividades para envolver mais a comunidade. Nos fins de semana ainda celebra nas capelas do interior. Como ele tem o espírito missionário, gosta muito e fazer visitas às famílias da comunidade e sempre reserva um período do ano para passar em todas as casas.    

“Como contribuição para a comunidade, eu dou aula de inglês para as crianças aos sábados pela manhã, antes da catequese, pois como a cidade é pequena, não tem escola particular de línguas, então faço isso como um serviço pastoral”, conta Pe. Paul, que tem uma convivência muito bacana com a comunidade é bem.

“Sou atleta, gosto de correr, então quando estou correndo na rua, recebo muitos cumprimentos, e quando termina a missa de domingo, sempre recebo um convite para almoçar, às vezes já me ligam durante a semana, mas quando não tenho convites eu me ofereço, chego e digo: hoje vou na tua casa para almoçar”, brinca ele. 

Apesar das boas amizades, também sente solidão. “No dia-a-dia tem a cozinheira que limpa, organiza e faz o almoço, mas a noite eu mesmo preparo a comida. Às vezes no final de semana também. Em muitos momentos me sinto sozinho e falta da família”. Pe. Paul tem oito irmãos, alguns morando nos Estados Unidos, e os pais ainda vivos, morando na Nigéria. Ele se organizou para visitá-los a cada dois anos, mas agora quer ir todo ano porque seu pai está com 95 anos. 

E falando em correr, ele é atleta mesmo, participa das corridas pela região e já participou 6 vezes da São Silvestre. A sua última competição foi a meia maratona de Foz do Iguaçu.

E o chamado para ser padre? “Até hoje me pergunto: porque Deus me chamou sendo tão humano e tão fraco?” Pe. Paul reconhece as suas fraquezas, mas também seu espírito missionário, de sair de seu país para evangelizar em lugar tão distante. “Reconheço que Deus me chamou então faço o melhor que eu posso e busco evoluir sempre. Estou feliz como padre, apesar das cruzes que fazem parte desse chamado. Lembro sempre que Jesus carregou sua cruz, que é muito maior que a nossa. Ele fez a obra de Deus, que foi libertar a humanidade, então quando estou em sofrimento penso que, assim como Jesus, não posso desistir”. 

Aos jovens ele diz que não podem ter medo de experimentar. “Quem chama é Deus, Ele lhe dá a graça e está contigo. Muitos acham que padre é totalmente diferente e os jovens se assustam, pensando que não podem nada, e por isso se afastam, mas somos humanos igualmente. A figura idolatrada pela comunidade, que era mantido distante, hoje mudou muito, estamos mais acessíveis”, diz ele ressaltando que essa aproximação com a comunidade depende muito da postura do padre, da abertura que ele dá para o povo se aproximar. “Hoje, por exemplo, acordei 5h30 com uma pessoa tocando a campainha. Levantei e o atendi com alegria. Ele chegou angustiado, mas foi embora feliz e eu também fiquei feliz por tê-lo ajudado, independente do horário. E essa pessoa só veio porque sabia que seria acolhida”.

“A nossa vida como padre é de doação total e envolve muitas coisas, temos que estar abertos para fazer por amor à Deus. Porque deixei meus pais para vir tão longe? Tem algo que me sustenta aqui, é por causa de Deus, o centro da nossa vida. Agradeço pela minha vocação e continuo pedindo força para desenvolver cada vez melhor. É isso que faço todo dia e é o que me faz feliz”, diz Pe. Paul Mike. 

 

 

Só Deus preenche 

Padre Luciano Acácio Cordeiro, pároco da Paróquia Nossa Senhora do Caravaggio, Cascavel, traz consigo a experiência de que realmente Deus é o único capaz de preencher o vazio que há em nós.   

Ele nasceu em Vera Cruz em 11 de abril de 1983, mas só foi batizado três anos depois, quando a família já residia em Barreiras, na Bahia, onde seu pai foi trabalhar como tratorista de fazendas. Diante das dificuldades para educação dos filhos e saúde, decidiu voltar ao paraná e aportou em cascavel, onde fixou residência.

Aqui o menino Luciano cresceu estudando em colégio público e tendo sua vida normal. Na adolescência, adorava as aulas de catequese e tinha uma certa integração à vida da Igreja, inclusive ajudando a mãe nos grupos de família em que ela era coordenadora. “Minha mãe não era muito boa na leitura então pedia a minha ajuda. Ela só tem 3ª séria primária e se desenvolveu lendo a Bíblia, onde adquiriu um conhecimento muito grande, hoje é Ministra da Eucaristia. Então eu me dispus a ajudá-la”. 

Porém, depois da Crisma a história mudou. E a rota também. Aos 16 anos arrumou emprego de protético em laboratório de prótese dentária e assim passou a dividir a vida entre o trabalho, os amigos e muitas festas inclusive com um certo toque de rebeldia, pois fumava e frequentava todas as baladas da cidade. Ele lembra que chegou a ficar cerca de 4 anos sem ir a uma missa e muitas vezes só aparecia em casa para dormir. “Namorei, participei de muitas festas, saíamos para dançar, embora tudo de forma muito saudável. Mas com tudo isso eu sentia que faltava alguma coisa, sentia um vácuo e quando olhava para o futuro não me via vivendo daquela maneira”.

“No fundo do coração eu sentia que tinha algo mais profundo que me incomodava e não me sentia feliz levando a vida que levava”, conta ele lembrando que desde a infância participava de encontros vocacionais e outros eventos religiosos, e sentia que algo o tocava, mas mantinha-se em silêncio, não comentava seus sentimentos com ninguém. 

 

A mãe. Sempre a mãe

Até que um domingo a noite, por provocação da mãe, ele resolveu ir à missa, mas já foi pensando no que faria após a celebração, ir a um bar de rock que ficava em frente à Igreja. “No entanto, ao final da missa uma irmã fez um convite muito bonito para participar de um retiro, parecia que as palavras eram para mim e resolvi fazer o retiro, que aconteceu fim de semana seguinte. Ali sem perceber e sem o menor esforço, parei de fumar. Ao final do retiro vivi mais uma experiência muito forte e decidiu voltar para a Igreja. 

A partir de então começou a frequentar a comunidade Santa Luzia, da qual pertenciam seus pais. Além de participar do grupo de jovens, as missas de quarta-feira e domingo viraram rotina.  As conversas com o Pároco também. Padre Giuseppe era agostiniano e depois virou diocesano, então tinha experiência de sobra para orientá-lo. Tanto que acabou sendo seu padrinho de ordenação. “Com essa mudança no meu jeito de viver comecei a ver mais sentido na minha vida, estava me preenchendo, e então percebi que faltava Deus. No início de agosto o padre fez uma linda homilia sobre o sacerdócio e parecia que tudo o que ele falava era pra mim...” 

No dia seguinte, trabalhando no laboratório, em um start, passou um filme pela cabeça. “Era como se Deus tivesse passado diante de mim todos os chamados que me havia feito para eu ser padre. Aí pensei, é para eu ser padre, então eu vou ser padre. E quando disse isso a mim mesmo, senti uma paz muito grande dentro de mim. Desliguei o motor que estava moldando a peça metálica, e fui conversar com meu patrão. Desde então começou a fazer estágios em seminários. Deixou por último o Diocesano, pois não conseguia falar com o reitor (Pe. Claudir Vicente, na época). Enfim, fez o estágio em dezembro e logo entrou para o seminário, pois descobriu que era que era isso mesmo que queria.  

“Quando entrei já não tinha dúvidas, pois tinha vivido todas as experiências da juventude, isso me ajudou a ter clareza”. Em dezembro desse ano, 2023, Pe. Luciano, completará 10 anos de sacerdócio.

 

Uma rotina a serviço  

Depois de passar por outras paróquias, há poucos meses Pe. Luciano assumiu a Nossa Senhora do Caravaggio. E para dar conta das tantas funções que cabem a um diocesano, ele divide as atividades durante os dias da semana, separando tempo para a parte administrativa, bancária, atendimentos na casa paroquial, celebrações, casamentos, batizados, trabalhos com as pastorais, jovens, catequese e eventos religiosos. Isso além das missas diárias e do programa Caminhando com Jesus e Maria, que faz às segundas-feiras na Rádio Colmeia.  

É uma agenda que começa às 8h da manhã e termina entre 21 e 22h todos os dias, incluindo feriados e fins de semana. 

Inclusa nessa agenda está a família. Como só tem um irmão, Pe Luciano ia à casa da mãe todos os dias para ajudá-la a dar banho e cuidar do pai acamado. (Armando Olinto Cordeiro faleceu no último dia 30 de maio). Agora o apoio emocional vai para a mãe, que está em fase de luto. Ele também tem dois sobrinhos que ocupam o lugar de filhos e o divertem. Da primeira ele foi padrinho e do segundo ele fez o batizado.

À noite ele gosta muito de assistir TV. Canais de esporte e filmes são os preferidos. Na terça-feira, dia de folga dos padres, aproveita para passear e dar uma descansada na cabeça, além de resolver assuntos pessoais. 

E como todo trabalhador nesse país, padre também tem direito a férias. São 30 dias por ano, mas nem sempre fica de folga todo esse tempo. Os dias são divididos entre familiares e viagens turísticas. Essas, normalmente em companha de parentes ou até de outros padres. “Combinamos entre os mais próximos de tirar férias juntos para termos companhia para passear. Aí vamos à praia ou em lugares de turismo mesmo, dentro ou fora do país”.  Em novembro do ano passado, por exemplo, as férias foram na Terra Santa, como guia espiritual de uma agência de Turismo. 

 

Sentimentos

A solidão chegou a afetar mais nos primeiros anos, era muito jovem. “Tem horas que as pessoas esquecem do padre. Gostam muito dele, é importante para alguns momentos, mas não cabe em outros. Termina a missa, todos vão embora e o padre fica ali sozinho. Mas com o passar do tempo a gente vai ficando traquejado e não sente mais essa solidão. “Às vezes a gente até quer ficar sozinho, ter o nosso momento de paz. Quando estou cansado quero ficar sozinho. É gostoso quando aprendemos a gostar da própria companhia. Quando se entende isso na prática”. Pe. Luciano saliente que os padres que estão longe da família precisam ainda mais aprender a conviver com essa solidão.

Muito mais do que a solidão, o que o incomoda é a falta de fraternidade, de empatia das pessoas para com os outros. “Quando vejo o sofrimento e ninguém se importando, quando percebo a ditadura do egoísmo, na falta de um olhar maior para os outros, isso me machuca muito, inclusive do poder público, falta o olhar mais de humanidade. Acredito que se tivéssemos essa preocupação, teríamos problemas muito menores na sociedade” Pe. Luciano destaca aqui uma frase de São Joao da Cruz: “No fim da vida seremos julgados pelo tanto que amamos”.

Para os jovens vocacionados ele diz: “vale a pena se dar essa oportunidade, confiar no coração, permitir que o que Deus está falando seja ouvido. Não tenha medo de responder, senão nunca saberá. Pode ser que sua vocação não seja essa, mas ao dar-se a oportunidade de experimentar, ao final terá aprendido coisas lindas, e se for, será a sua plena realização como ser humano”. 

“Não teremos tudo, como ninguém na vida nunca pode ter tudo, mas teremos o fundamental, que é Deus, e Ele basta, e te fará feliz”. 

Fonte: Revista Nossa Senhora Aparecida
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